Operação Golpe de Flanco

(Texto e imagens extraídos dos cadernos sobre "As grandes Operações da Guerra Colonial", oferecidos pelo Correio da Manhã)



Alferes

Em finais de 1970, surge uma informação obtida pela Força Aérea através da intercepção de comunicações por rádio da FNLA: este movimento de guerrilha teria conseguido infiltrar importantes forças da guerrilha na Região de Santa Cruz. Calculava-se que essa força não andaria longe dos 600 guerrilheiros - o Batalhão nº. 2 da FNLA. Mas os relatórios operacionais enviados pelo Batalhão de Caçadores 2889 com a responsabilidade da quadrícula da região desmentiam a permanência de tantos guerrilheiros. Os relatórios, assinados pelo oficial de oprerações do batalhão, eram pormenorizados, precisos e claros: assinalavam com minúcia os itinerários de nomadização e os vestígios encontrados. A avaliar pelos documentos, a zona fora esquadrinhada - e nada de relevante fora encontrado. Mas um ou outro facto desmentia esta calma na região de Santa Cruz. A guerrilha desencadeara várias acções violentas em Cabaca, Quimbele, Macocola, Massau.
É então resolvido lançar a Operação Golpe de Fanco, entre Janeiro de 1971, a cargo da 20ª. e da 22ª. Companhia de Comandos. Segundo a ordem de operações, a acção - "face à insuficiente informação acerca do inimigo" - seria realizada em várias fases.

1ª fase:

"A inexistencia de informaçõeS sobre a localização de qualquer organização IN conduziu a que, na fase incial, se planeasse o lançamento de alguns grupos em acções de caça, a partir da picada Quicua - Cabaca, na direcção Leste - Oeste, a fim de obter prisioneiros, que lançassem luz sobre a zona, explorando imediatamente as informações, mantendo-se os restantes em alerta, quer para reforçar, quer para explorar ou perseguir. Esta acção tem por finalidade apanhar o IN pela retaguarda através de uma zona que até à data havia sido pouco batida. Por outro lado, realizar em conjunto, de Oeste para Este, uma acção com as Companhias de Caçadores de reforço para desviar a atenção do IN sobre os grupos de Comandos. Paralelamente com estas acções, seriam lançados grupos perto da fronteira com a RDC [República Democrática do Congo], a fim de montarem emboscadas, que tentariam evitar quer a saída quer a entrada do IN, vigiando ao mesmo tempo quaisquer movimentos fronteiriços. Para esse efeito previu-se a utilização de grupos de Comandos ou das Companhias de Caçadores de reforço".

2ª. fase

"Logo que se obtivessem dados sobre localizações IN, ou no mínimo desarticular a sua organização, actuar sobre objectivos referenciados, aprisionando, destruindo ou expulsando os elementos activos, furtando a população ao seu controlo. Manter emboscadas na zona fronteiriça com a RDC[República Democrática do Congo]".

3ª. fase

Depois dos objectivos principais atingidos e destruídos, dado a possível desorganização e dispersão do IN, voltar às acções de caça e emboscada a fim de eliminar os possíveis grupos IN que se mantivessem na área. Manter ainda emboscadas ao longo do Cuango".

Resultados alcançados Cubata

A operação Golpe de Flanco desenrolou-se entre 3 de Janeiro e 17 de Fevereiro de 1971. Os grupos de combate das companhias de Comandos foram reabastecidas, por helicópteros, com rações, munições e moto-serras para desbaste de árvores. O que seria uma missão de exploração da zona transformou-se num verdadeiro inferno. A 20ª. e a 22ª. Companhia de Comandos cairam num autêntico vespereiro entre mata serrada de onde só conseguiram sair à força de um extraordinário poder de combata: os guerrilheiros eram numerosos estavam bem armados e devidamente organizados.

No início da operação os guerrilheiros mostraram grande agressividade e demonstraram assinavável poder de fogo. Reagiram violentamente nos primeiros dias com emboscadas e montagem de armadilhas - mas foram cedendo, apouco e pouco, de tal maneira que acabaram por abandonar a região. Os nossos grupos de combate encontraram e desatruíram centenas de acampamentos militares com cubatas bem construídas e confortáveis, igrejas e auditórios - tudo construído em madeira.
As conclusões finais que constam do relatório demonstram as dificuldades:
"De referir a perfeita organização que o IN dispunha na área. Entretanto a sua agressividadee vontade de combater desapareceu, crê-se que este é um dos factores mais importantes. Um IN que se apresentava extraordinariamenmte agressivo no início, desapareceu, e embora exaustivamente procurado não mais foi visto, abandonou os acampamentos e perdeu o total controlo das populações (...)
"De referir os magros resultados na captura de material. Efectivamente, de início, a fase em que poderia ter sido capturado, as razões já expostas, resultado da falta de informações concretas e a surpresa que se perdeu, levou a que a captura passasse a ser extraordinariamente difícil, dado que o IN passou a furtar-se a qualquer contacto, e se o tentou foi muito distante, em mata fechada, sem hipótese de ser empreendida uma eficaz perseguição. Cremos que a avaliação de resultados à custa do que se apreende em material de guerra nem sempre representa o procedimento mais adequado, dado que quem alimenta a subversãotem-no em quantidade para o fornecer, e disso é exemplo o crescente aumento, quer qualitativo quer quantitativo, que se vem a verificar desde 1961. Cremos como mais razoável a destruição do IN, ou da sua vontade de combater, aliada à perda de apoio por parte da população, devem estar na base da avaliação dos êxitos das operações.
"Cabe agora referir o que se passa quanto às populações. Quem vem de Santa Cruz até ao Negage tem oportunidade de ver dezenas de pequenos núcleos populacionais de impossívelo controlo. Tal facto confere ao IN o seu total domíniosobre essas populações, servindo de locais de descanso, reabastecimento, etc.. As populações caem sob controlo do IN. Para as populações que regressam das matas pouco ou nada se fez em seu apoio, e daí resulta que dificilmente se poderá delas obter uma total adesão. Já se habituaram a este vaivem. Cremos que aqui reside o fulcro da questão. E sem que se pense a sério no reordenamento das populações, compulsivo ou não, se não se lhes crie condições de vida, e se não as defende, não haverá hipótese de as controlar. Passam para o IN. É que realizar-se intensa promoção social das populações, que apesar de tudo, infelizmente, nunca tivemos ocasião de verificar na área durante o período em que nela permanecemos (...)
"Cremos que se impõe continuar a pressionar o IN, a que nos impusemos, como maneira de evitar o regresso à região. Que se beneficiem as picadas existentes e se abram novas. Que se destruam as lavras por todos os processos possíveis, que se reordenem as populações e se incieuma bem planeada promoção social das populaçõessem o que apenas estaremos a protelar no tempo ou até tornar impossível, a resolução de uma situação que, de momento, ainda se nos apresenta favorável.
"O IN manifestou-se inicialmente por reacções em força à nossa penetração, que conjugou com a montagem de emboscadas, minas e armadilhas. Em face da determinação das nossas tropas, foi progressivamente diminuindo a intensidade das sua acções, passando a atirar de muito longe, acabando mesmo por deixar totalmente de manifestra-se abandonando a região. Todas as informações e notícias obtidas, muito especialmentea partir da DGS [Direcção-Geral de Segurança, plícia política], referem a fuga para a RDC [República Democrática do Congo], com completo abandono da área, deixando de controlar as populaçõesque em elevado número acabaram por apresentar-se.
"É de salientar a extraordinária cooperação obtida por parte da Força Aérea, quer por partes dos sucessivos comandantes do agrupamento aéreo, senhores capitães Marinho, Faria e Calado e tenente Pinto da Silva, quer dos pilotos dos helicópteros, de que se destacam os senhores capitães Ferreira e Arada e os alferes Melo, Talhada e Catalão. Um a referência muito especial para o senhor capitão Arada pelas extraordinárias provas de audácia e sangue-frio para a recuperação dos dois mortos durante a 1ª. fase da operação, quer pelo lançamento de equipamento, quer na entrada da clareira, um autêntico túnel de 50 metros de comprimento, onde pôs à prova muita perícia e determinação".

Espera fatal

Comandos

O alferes miliciano 'comando' José António Miranda Esteves, comandante do 2º. grupo de combate da 20ª. Companhia de Comandos, foi atingido a tiro ao segundo dia de emboscadas. Agonizou gravemente ferido durante 15 horas à espera de um helicóptero. Acabou por morrer. A história está assim relatada no relatório da operação:

7 de Janeiro de 1971

" - 10H00: O primeiro elemento do 2º. grupo de combate da 20ª. Companhia de Comandos, soldado Velosa, detectou uma emboscada, abrindofogo de caçadeira e carregando sobre o IN, que em número de 5 elementos, aguentou o fogo e a resposta das nossas tropas, mostrando-se bem moralizado, agressivo, só retirando após o lançamento de dois roquetes, um dos quais peloalferes Esteves, comandante do grupo. Nesta região fizeram-se notar por muita bravura, serenidade debaixo de fogo e sangue-frio, o soldado Velosa e o alferes Esteves. O primeiro pela maneira, como progredindo na frente do seu grupo, sempre exposto a um IN muito ardiloso que atirava geralmente a 5 metros do primeiro homem e em fogo ajustado, sempre soube, com a maior atenção, criar segurança no deslocamento por um trilho estreito e perigoso. O comandante do grupo, alferes Esteves, seguindo imediatamente atrásda 1ª. equipa, manobrou com muita calma e serenidade debaixo de fogo e, como visse que o IN aguentava a reacção das nossas tropas, lançou mão do lança-roquetes, fazendo fogo sobre a posiçãoadversa, desbaratando o IN. O 2º. grupo avançou pelo trilho emboscado.

" - 14H30: O 2º. grupo de combate abandonou o trilhoe seguiu para Oeste a corta-mato tendo passado uma linha de água e encontrado um trilho que seguiu e o conduziu a um grande auditório para cerca de 500 pessoas. Continuou e entrou num acampamentoabandonado. Junto das primeiras casas encontrou um elemento IN sem uma perna, o qual interrogado imediatamente declarou que todos os elementos se tinham reunidoao fundo do acampamento. O alferes Esteves mandou avançar para o local, deixando uma equipa junto do capturado. Chegou ao meio do acampamento, e por ver que a distância à equipa que deixara era muito grande, deixou segunda equipa, continuando para baixo, chegando ao fim do acampamento, junto a uma linha de água. Aí ouviram-se vozes e, em dado momento, apareceu pelo trilho um cão a correr e uma mulherque deram o alarme. o IN abriu grande tiroteio passando ao assalto com cerca de 60 elementos e fez fogo durante 10 minutos. O IN não conseguiu realizar o assalto, tendo retirado com baixas.
"No combate foi atingido no tórax e no abdómen o alferes Esteves que, apesar de ferido, dirigiu a reunião e a instalaçõ do grupo. Nessa altura o IN abriu fogo com mais intensidade com metralhadoras ligeiras, lança-granadas e morteiros.
"Tiveram acção relevante e muito notável na acção retardadora ao IN, que a todo o custo tentava passar ao assalto, o 1º. cabo Matos e o soldado Morais, que detiveram o avanç do IN, e o soldado Pereira, que fez várias vezes fogo a peito descoberto.>br> "Já no alto do morro, com o grupo todo reunido e instalado, foi pedida pelo rádio a evacuação do ferido e, por ser impossível o transporte e não haver local para o efeito, iniciou-se a abertura de uma clareira tendo sido largada, por helicóptero uma moto-serra
"Entretanto, o 4º. grupo de combate da 20ª. Companhia de Comandos, assim que ouviu o tiroteio e a comunicação rádio, dirigiu-se imediatamente a corta-mato para o local. Como a noite chegassee se tivesse encontrado um trilhoseguiu por ele. Como existissem muitas bifurcações, e não se sabendo por qual seguir, decidiu parar e emboscar para que de manhã se chegasse ao 2º. grupo de combate".

8 de Janeiro de 1971

" - 05H30: faleceu o alferes miliciano 'comando' José António Miranda Esteves em resultado de ferimentos em combate no dia anterior.

" - 06H00:O 4º. grupo de combate foi emboscado com fogo de pistola-metralhadora, a cerca de 5 metros do primeiro homem, sem consequências. Foi orientado do ar em direcção à posição do 2º. grupo de combate.

" - 07H25: O 4º. grupo de combate quando se encontrava a cerca de 200 metros do 2º. grupo foi novamente emboscado à queima-roupa com fogode pistola-metralhadora de que resultou a morte do soldado 'comando' José Manuel Marta Bento.

" - 09H30: O 4º. grupo de combate junta-se ao 2º. grupo.

" - 13H55: O 2º. e o 4º. grupo de combate interrompem os trabalhos de abertura da clareira devido a fortes chuvas.

" - 15H30: O 2º. e o 4º. grupo de combate informam que o IN abriu fogo de morteiro tendo várias granadas caído à volta do pessoal.

" - 16H00: O 2º. e 4º. grupo de combate pedem reforços de munições.

" - 18H00: O 2º. e 4º. grupo de combate informam que não conseguiram abrir totalmente a clareira pelo que era impossível evacuar nesse dia os mortos. Montaram dispositivo de pernoita".

Dia 9 de Janeiro de 1971

" - 06H00: O 2º. e o 4º. grupo de combate informaram que iniciaram novamente os trabalhos de abertura da clareira e que o héli lançou mais material (catanas e machados).

" - 09H45: Aterrou o primeiro héli na clareira aberta pelo 2º. e 4º. grupo de combate tendo sido evacuados os mortos".

INICIAL
INICIAL